sexta-feira, 9 de setembro de 2016 | By: Isis Cardoso

Bordel

Todos os dias, a mesma frase passa por minha cabeça. "Todos os dias, penso em escrever um conto a respeito do prostíbulo ao lado do restaurante onde almoço".

Eu poderia fazer recortes sociais, tratar acerca de desigualdades, dizer o quão privilegiada e hipócrita eu seria em discorrer sobre prostituição trabalhando em um escritório para auxiliar nas despesas enquanto as mulheres capitalizam seus corpos pelo "pão nosso de cada dia"; enquanto garotinhas mimadas de internet discutem sobre prostituição ser a exploração mais brutal do sistema neoliberal ou se é a maior prova da autonomia feminina.

No entanto, o que me traz a este texto é a margem que nos separa. A linha invisível que corta a calçada da avenida. O contrato social que me impede de sequer olhar lá para dentro com meus olhos amendoados e curiosos de jovem adulta descobrindo o mundo por ser "moça de família". Mas nada pode parar minha mente quando acabo de almoçar e toca aquele Raça Negra no puteiro. Sim, puteiro, na maior imagética vulgar do vocabulário proibido a "moças de família". Um dia, toca Frank Aguiar; no outro, Pussycat Dolls... Mas, eu passando por ele ou não, o puteiro sempre está em seu pleno funcionamento.

Para uns, o antro de perdição da família tradicional; para outros, a fonte de renda. O prédio caindo aos pedaços traz as dúvidas da qualidade de condições trabalhistas naquele imóvel. Mas ele sempre está ali, esteve antes de mim e provavelmente estará depois que eu for trabalhar em outro endereço.

O pútrefe bordel talvez seja uma incógnita do impuro da própria curiosidade humana, cerceada por imposições morais e cívicas. Mas sempre olhamos para suas portas vermelhas e nos perguntamos o que há além.

Na verdade, o prostíbulo caindo aos pedaços somos nós, pedaços de desconhecimento de nossa própria mente. Aquilo lá é só um prédio mal conservado para comércios sexuais.

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