quinta-feira, 17 de outubro de 2013 | By: Isis Cardoso

Engole.

O nome escorregou de seus lábios como se fosse um palavrão pronunciado por uma criança, logo reprimido pelas mãos. Com tantos nomes para dizer, com tantos rostos para olhar, tantas mentes para tentar despertar desejo, por que logo aquele nome?

Era estranho, não parecia a intenção, apenas saiu como uma confissão às paredes pintadas da mais branca solidão. Paredes cúmplices de tantos outros beijos, tantos outros abraços e carícias - e também de incontáveis mares de lágrimas que já escorregaram por aqueles olhos escuros.

Mas não interessava a solidão das paredes, tampouco as canções em seus ouvidos, tudo o que ouvia era o nome, outrora reprimido, ecoando por sua mente, mastigado, engolido,  deglutido e correndo como nutrientes na corrente sanguínea.

Era tarde demais, só poderia contemplar aquele sorriso de longe, sem ser a causa dele, sem paixão ou nada do tipo, apenas a usual gentileza que sempre ardia mais que brasa em pele quente.

(parcialmente baseado em "Engole" - Vanguart)

terça-feira, 11 de junho de 2013 | By: Isis Cardoso

Fila.

Passo minutos esperando minha vez de vê-la, estou inquieto e não aguento essa agonia de nunca chegar minha vez. A cada um que se vai, a ansiedade aumenta e eu penso no que dizer, e se ela vai corresponder à minha minha gentileza pelo menos por um instante.

Um passo à frente, mais alguns minutos aguardando. Bato os pés, impaciente. Olho para os ceus, esperando um milagre para o tempo passar ao um pouco mais rápido. Os minutos parecem horas, os outros parecem eternos e meu cérebro explode em milhares de pensamentos por segundo.

Depois de muito aguardar de pé, chega minha vez. Ajeito os cabelos, dou um sorriso pouco pontual e cumprimento-a com polidez. Ela me olha como se eu fosse nada, sequer corresponde a minha saudação. Abaixa seus olhos castanhos e tristes e ignora minha existência para fazer apenas seu trabalho, afinal, eu não sou diferente de tantos outros que encararam uma fila e aguardaram para ter seus serviços.

Tiro as faturas de um bolso e do outro, o dinheiro. Entrego a ela no balcão de vidro que nos separa, e ela me devolve as contas com uma nota fiscal. Agradeço e vou-me embora. Mais uma vez, a mulher da loteria ignorou minha existência.

quarta-feira, 29 de maio de 2013 | By: Isis Cardoso

Considerações.

Eu não vou mais ler os seus textos,
Não vou me perder nos seus olhos,
Não vou ansear teu sorriso,
Não vou desejar teu abraço.

Não vou te pedir meus cadernos,
Não vou te pedir outra chance,
Não vou confessar o que sinto,
Pois isso nem eu sei ao certo.

Eu não quero que retornes,
Eu não quero te rever,
Eu não quero que tu olhes pra mim.

Eu não quero mais querer-te,
Eu não quero enlouquecer,
Eu não quero, mas decreto o fim.

quarta-feira, 22 de maio de 2013 | By: Isis Cardoso

Asma

"Sou um retrato que tua mão revelou..."

Tua mão, que já tocou a minha, que já afagou meus cabelos, já afanou meus braços e seguiu cada contorno do meu rosto. Tua mão que foi tão tua quanto minha, mas no fundo não foi de ninguém, afinal, você sequer se pertence. Tua mão que prepara, tal qual um artífice, mais uma paixão de mentira para preencher seu coração vazio e gélido.

"Cópia barata do que eu acho que sou..."

Eu achei que fosse seu amor, achei ser feliz ao seu lado, achei que minha alegria contrabandeada a seu lado duraria bastante. Não fomos feitos pra durar, sequer chegamos perto disso. Agora, eu acho que eu sou só um borrão, um reinvento, uma cópia desbotada de alguém feliz e esperançoso que um dia eu fui.

"E sim, amor, eu sei que não devia."

(Texto baseado na música homônima de Visconde)

terça-feira, 21 de maio de 2013 | By: Isis Cardoso

Cinzeiro.

Olhava para o ceu quase negro e tragava a fumaça de mais um cigarro. Se era o sexto ou o nono, não importava mais, fazia aquilo para exorcizar seus demônios ou buscar uma morte mais rápida, o que viesse primeiro.

Cerrava seu cenho enquanto seus olhos vazios contemplavam a janela. Era escuro como seus sonhos, sua vida e -se continuasse naquela perspectiva- seus pulmões. Não havia mais nada que trouxesse-lhe a alegria, não havia um motivo para mostrar seu sorriso outrora manchado apenas pelo café. No rosto, uma barba da sexta-feira, na televisão um programa imbecil de entretenimento dominical.

Já não cria em Deus ou no diabo, muito menos em Darwin ou Lavoisier. Não cria na satisfação consumista nem na igualdade utópica do socialismo. Nenhuma crença traria a vida de volta a seu fôlego, nada motivava a produtividade de seus dias.
Todas as portas pareciam iguais, todo crime e todo castigo no fundo parecia nada. Ela morreu diante de seus olhos há um ano ou dois, se ele bem conseguia esquecer. Com um tiro no peito e sangue ao seu redor, uma vítima do caos urbano. Seu último pedido foi "seja feliz, mesmo que eu não possa sorrir contigo", mas ele não conseguiu.

Sua alegria fora alvejada e o que restava era apenas existir, vazio e com a alma amargurada entre as cinzas de seus cigarros e seus pensamentos.

sexta-feira, 17 de maio de 2013 | By: Isis Cardoso

Sobre os gênios.

Parabéns, você conseguiu o que tanto quis. Quis tanto ser um gênio incompreendido, um cérebro avantajado, um aedo solitário em um mundo de ruídos sombrios que conseguiu.

Olha só pra você, tão desprezível com esse ar superior, se isolando da beleza do mundo para perder a vida entre artigos e acordes, olhando para todo mundo como se fossem o lixo da sociedade quando na verdade o resto de curetagem do mundo é você, ferindo as pessoas para compensar sua fraqueza física e psicológica, fazendo brotar a paixão nas pessoas enquanto seu coração é triste demais para conseguir fazer alguém feliz, querendo demonstrar muita maturidade mas no fundo sendo só um bebê chorão querendo colo.

Você não contava com o fato de que pessoas que você chamava de herois fossem apenas vermes arrastando os ventres em suas próprias agonias e comendo a poeira de um mundo imenso e pleno, não é? Pois este é o mundo e seu plano deu certo, só não reclame da dor de seu prêmio.

Não aceitamos devoluções.

Nem todos os dias de Sol, nem todos os lábios que você beijar, nem todos os corpos que você abraçar, nem todos os elogios que você receber e muito menos toda a vodka que você beber para te aquecer por dentro vai derreter o gelo da sua alma, contente-se com isso ou ouse ser um pouco menos desprezível que você e que todos os bons e maus que vieram antes.

Seja seu próprio heroi.

segunda-feira, 13 de maio de 2013 | By: Isis Cardoso

Xeque.

No teu tabuleiro eu quis ser pelo menos torre ou cavalo,
Com sorte até bispo,
Mas eu só fui peão.

Você judiou do mim, me tirou de combate,
Pôs em xeque-mate o meu coração.

Não pude escapar do seu xeque-pastor,
Esse seu xadrez não pode ser chamado de amor.

Você só manipula
Tal qual em um tabuleiro,
Faz seu jogo o tempo inteiro
E não aceita perder.

Você manipula
Tal qual em um tabuleiro.
Mas eu não vou mais te entreter.

sábado, 9 de março de 2013 | By: Isis Cardoso

Lar.

Tudo era vazio naqueles cômodos enormes e sem vida. A luz era fraca e artificial, sem a resplandescência do Sol para trazer um mínimo de iluminação natural a cada canto.  O silêncio era perturbador, a ponto de se ouvir o estalar das lâmpadas, o ar comprimido correndo pelas serpentinas da geladeira, os animais correndo no quintal e até mesmo os carros velozes na rua.

Estavam ali as paredes pintadas, os alicerces, o piso, o teto, os móveis, os cômodos: sala, corredor, quartos, cozinha, banheiro. Havia água na caixa d'água, comida na geladeira, eletricidade nas fiações, eletrodomésticos ligados em standby, mas não era nada daquilo que faltava.

Faltavam aqueles olhos, aquele sorriso. Aquela presença que tornava a casa um lar. O par de braços que dava muito mais conforto que qualquer edredom do armário, a voz que trazia mais alegria que qualquer canção de amor. Faltava a cascata de cabelos negros que se perdia por entre os dedos nos momentos de carinho, a pele que aquecia mais que uma xícara de café.

A casa estava ali, mas seu lar estava distante.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013 | By: Isis Cardoso

Aconchego

Não é o beijo. São as mãos quentes, a respiração pesada, os olhos se fechando, os lábios se abrindo, o fôlego de teus lábios sendo soprados para meus pulmões e qualquer outra coisa deixando de importar.
Não é o beijo. É o teu olhar, o teu sorriso, a tua voz, teu jeito carinhoso e bobo, tua maturidade despreocupada, tua inconsequência preocupada, é cada paradoxo teu, cada palavra que me impressiona, surpreende, cativa e apaixona.
Não é o beijo. É o meu olhar apaixonado, meu sorriso tímido, minhas pernas trêmulas, meu estômago dando mais voltas que um pneu de carro de Formula 1, minhas palavras se tornando bobas e açucaradas, minha criatividade dinâmica se convertendo em um aglomerado de clichês antiquados só com um olhar teu.
Não é o beijo. São as nossas frases, as nossas piadas, nossos pronomes de tratamento. É a frase que você começa e eu já sei como terminar, é o meu riso debochado que te diz mais que mil frases, é o teu "bom dia, baby" visto na tela do meu celular quando acordo ou o "boa noite, meu bem" na tela do seu antes de eu ir dormir.

Não é o beijo, é todo o nosso aconchego que se consuma quando nossas bocas se preenchem.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013 | By: Isis Cardoso

Incompatível.

Eu não tenho terra pra voltar. Não tenho posses, não tenho fortuna, nem fama, muito menos sucesso em qualquer coisa que eu faça.

Eu não tenho companhia, não tenho um amor pra chamar de meu, não tenho uma música favorita, não tenho uma vocação, não tenho ânimo, não tenho sequer um lugar pra chamar de lar.

As paredes me cercam, os muros me sufocam, eu não tenho nada pra constar em um inventário, não tenho nem uma frase para por na minha lápide quando eu morrer.

Nada me comove, nada me completa. Sou incompatível a tudo e caminho só, de parte alguma a nenhum lugar, querendo apenas achar um sentido para mim.

Eu sou só um explorador.